Homenagem - O legado de Angela Maria
Em meio a uma intensa turbulência política que antecede uma
de suas eleições mais disputadas, o Brasil perdeu uma de suas maiores cantoras
de todos os tempos. Angela Maria, a Sapoti, batizada por Abelim Maria da Cunha.
O Brasil não cultiva, com a ênfase devida, o hábito de valorizar seus talentos,
sobretudo aqueles das gerações anteriores, mesmo que ainda estejam em pleno
exercício nas atividades em que se destacaram. É o caso da cantora Angela Maria
que, agora, sai da cena dessa vida, para ser perpetuada nas mentes e nos
corações de muitos brasileiros. A grande cantora da nossa música popular parte
com a impressionante marca de sete décadas de carreira. Marca memorável em um
país que muitas vezes é injusto com seus talentos.
Completaria, ela, 90 anos em 2019. Está na agenda da nossa
maior rede de TV, para ter a vida narrada em uma minissérie. Um talento inato,
voz inigualável e de grandes interpretações, inspirou-se inicialmente em outra
grande cantora, Dalva de Oliveira e é, Angela Maria, inspiração para muitas
outras cantoras posteriores, como Elis Regina. O Brasil teve e tem muitos
talentos musicais.faz parte do conjunto de grandes talentos brasileiros. Mesmo
que algumas músicas por ela gravadas, escolhidas ou impostas, estejam aquém do
seu imenso talento, sua interpretação faz a música que canta, todas elas,
crescer exponencialmente com sua voz e interpretação. Ficamos sabendo mais
sobre cantoras de outros países, como Estados Unidos ou França, do que sobre
nossas grandes cantoras, caso da Angela Maria, apontada em pesquisas como a
cantora mais popular do Brasil. Talento não é exclusivo de uma nacionalidade,
portanto reconheça-se o talento de outras terras. Mas, valorizemos e reconheçamos,
sobretudo, os nossos muitos expoentes. Angela Maria completou recentemente seis
décadas de carreira, com participações também em filmes. A história de vida
desta talentosa artista brasileira estabelece identificação e conexão com a
história de boa parte dos brasileiros nas suas trajetórias individuais.
De família humilde, mãe dona-de-casa e o pai, pastor evangélico.
Angela, desde cedo já cantava no coral de uma Igreja Batista, próxima a sua
casa. O mesmo trajeto percorrido muitos outros cantores e cantoras, no Brasil e
em outros países. Muitos talentos musicais são revelados nos cantos corais das
igrejas. Foi nesse espaço que a cantora teve seus primeiros contatos com
música. Foi ela, também, operária tecelã em uma indústria. Mas, seu projeto de
vida, era ser cantora. E sonhava, assim como os jovens de hoje também sonham,
em seus projetos. O de Angela era ir para as rádios e fazer sucesso. Seu pai
era contra, por ser muito religioso, mas, provavelmente, como qualquer pai
amoroso, queria que a filha continuasse na a igreja, casasse cedo, comum na época.
Não era exatamente isso que Ângela queria. E, não provavelmente sem conflitos
familiares, foi atrás do seu sonho de cantar. Nesse aspecto uma mulher
revolucionária. Em 1951, mesmo contrariando a família, que acabou aceitando a
vontade da filha, surge o primeiro disco de Angela Maria. E já veio com o
sucesso que sempre a acompanhou. Passou a viajar o mundo com canções belíssimas
e muitos elogios à voz inigualável. Recebeu de Getúlio Vargas o apelido de
"Sapoti". O então presidente da República teria lhe dito :
"Menina, você tem a voz doce e a cor do sapoti". Além de cantora,
cursou teatro, e atuou no cinema em Portugal, Minha Saudade.
Mas, a vida também
lhe trouxe dissabores diversos no plano pessoal. Superações são marcas
de sua trajetória. Aliás, em muitas situações, trajetórias também de todos nós.
Em 2011 gravou para a série Depoimentos para a Posteridade do Museu da Imagem e
do Som do Rio de Janeiro. Ali deixou registrada sua história de vida, até
então. Nessa entrevista contou passagens importantes de sua carreira artística,
afirmando ter gravado 114 discos e vendido cerca de 60 milhões de exemplares. A
música é um recurso importante para o ensino em muitas disciplinas curriculares.
A gravação de Angela Maria para a música Gente Humilde, de autoria dos compositores
Garoto, Vinícius de Moraes e Chico Buarque, permite discutir com os alunos a
realidade social brasileira e também falar do seu grande talento, pela voz e
pela interpretação desta canção. Mas há outras canções que destacam sua voz
diferenciada. Afinal, Ângela gravou músicas de muitos compositores brasileiros.
De Noel Rosa e Pixinguinha a Cazuza e Renato Russo, passando por autores muito
populares, como Roberto Carlos. Angela Maria foi homenageada em São Paulo, num
evento comemorativo dos seus 60 anos de carreira. O jogador Neymar, então jovem
talento brasileiro no futebol, de geração posterior à de Angela, foi o responsável
por "coroar" a estrela da nossa música popular. Emblemático. E uma
justa reverência a uma grande cantora brasileira, cuja voz está eternizada no
coração dos brasileiros.
Artigo publicado no jornal Correio Popular - Campinas - 10/10/2018
Homenagem - O legado de Angela Maria
Reviewed by Edison Lins
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